Depois de uma cervejaria feita por negros, desta vez foi uma sommelier negra que sofreu ataques de racismo em grupo de sommelier brancos.
Quem gosta de cerveja costuma dizer que motivos pra beber a gente tem de sobra. Mas infelizmente, nos últimos tempos temos tido mais motivos pra lamentar do que pra abrir uma cerveja e apreciar uma boa experiência.
Mais uma vez é sobre racismo
Primeiro, a polêmica sobre o rótulo da Cerveja Cafuza, da Dogma, que chocou mais os cervejeiros pelos questionamentos que gerou à Cervejaria Dogma do que por trazer uma mulher negra escravizada pra mostrar uma cerveja escura AQUI. O assunto nem esfriava e foi a vez da Cervejaria Implicantes, criada por pessoas pretas e que foi vítima de ataques de racismo e ódio por se posicionar como a “Primeira Cervejaria Negra do Brasil” e por pedir ajuda pra se manter aberta, como tantas outras cervejarias, por conta da pandemia AQUI.
Mais recentemente, uma mulher negra, sommelier de cervejas virou alvo de racismo, ódio e ridicularização dentro de um grupo de sommeliers brancos.
Atualização (27/08): Folha de São Paulo apresenta alguns acusados dos ataques
A “comunidade” em torno da cerveja artesanal, uma bolha elitizada, machista e egocêntrica, se dividiu entre quem fez que não viu, quem viu, mas não quis comentar, quem comentou, mas amenizou por conhecer os envolvidos ou por discordar do tom do debate, quem defendeu a mulher e a luta contra o racismo, e também quem ainda não entrou no debate nem se posicionou porque está nessa só pra tomar uma mesmo. Democracia é isso também.
Nos grupos cervejeiros, prints e mais prints das conversas traziam ofensas, ignorância, ódio e machismo que não merecem ser reproduzidas mais uma vez aqui. Numa dessas conversas, uma pergunta me chamou atenção: “Quem é essa Sara?”
Antes de responder, acho que os membros do grupo que desrespeitaram Sara já receberam “luz” demais e espero realmente que paguem pelo que fizeram, seja através da manifestação de empresas sérias do mercado, de instituições de ensino, como fez a Escola Superior de Cerveja e Malte, que não compactuam com a postura vista nesse episódio, seja por pessoas que os seguem e que, espero, parem de dar visibilidade a esse tipo de mentalidade.
E quem é essa tal de Sara Araujo?
Nunca poderei falar das dores, violência e todo o sofrimento que uma mulher sofre ao longo da vida, pois não sou mulher. Mesmo assim, quero usar meu lugar de fala pra compartilhar aqui o meu ponto de vista e dar visibilidade a algo que, ao meu ver, é o que mais importa nessa discussão toda: uma mulher chamada Sara Araujo.
Sara é o retrato de um Brasil hipócrita e de um mercado ainda pequeno, mas com problemas e diferenças que estão cada vez mais evidentes, só não vê quem não quer. Sara está em cada mulher que busca respeito através do que faz, mas é diminuída ou subjugada. É cada mulher que sofre abuso físico ou psicológico, apenas por ser mulher. Sara também é a mulher que entra no bar e é julgada por isso. Que vai a um festival de cerveja e é constrangida e assediada sem qualquer cerimônia. Sara Araujo é todas essas mulheres que eu descrevi, mas ainda tem que lutar dez vezes mais, como todo o povo preto, porque também é preta.
Sara Araujo é mulher negra, baiana, radicada em Maringá. Estimulada pela falta de representatividade negra no meio cervejeiro, resolveu estudar e se certificou Beer Sommelière pela Doemens e foi responsável pela aula “Racismo e a necessidade de ser antirracista no mercado cervejeiro”, do Beer Expert. Formada em Direito e cursando Ciências Sociais, Sara também é assessora jurídica da Defensoria Pública do Paraná e uma estudiosa e incentivadora da literatura e da produção intelectual da população negra. E para falar sobre tudo isso de maneira leve e educativa, Sara tem o perfil Negra Cervejas Sommelier no Instagram, onde compartilha cultura negra, reflexões e boas cervejas de forma única, inteligente e que influencia milhares de pessoas. Mesmo assim, ela foi ridicularizada, extremamente ofendida e teve sua capacidade questionada.
O racismo não respeita absolutamente nada
Parece que falar de racismo está na moda, ser antirracista virou chancela. Acho importante que o tema esteja na mesa, mas ele nunca deveria ter saído dela, pois infelizmente, essa moda sempre passa já que é uma dor que não dói no branco e as “Saras” caem no esquecimento.
É fundamental que as pessoas entendam que existem milhares de “Saras” e que racistas não respeitam credenciais, estudo, carreiras. Eles não respeitam o que é diferente do que eles acham certo. Por isso, ser antirracista não é uma opção, é uma obrigação de todos.
É fundamental ter a branquitude como aliada no processo de desconstrução do racismo no Brasil, mas é preciso se dedicar e entender que muito mais importante que nos perguntar sobre se é preto ou é negro, é entender porque morremos mais, porque estamos no subemprego e porque ainda nos olham de forma animalizada e como a nossa ascensão desperta tanta raiva. – Tia Má, para UOL
Falemos mais das Saras e menos de “Illuminatis”
O mercado cervejeiro é machista e racista, formado por uma elite branca e, entre eles, há grupos de pessoas que se julgam os guardiões do conhecimento sobre algo que nunca foi deles, e nunca será. Até porque, como bem coloca o Marcio Beck, para a Farofa Magazine: “A cerveja pertence a todos”.
Quer ajudar mesmo e participar de uma luta antirracista sem ser mais um branco na onda?
Um dos grandes erros que pessoas brancas cometem é criar suas próprias ações antirracistas. A atitude é nobre, mas isso não é legítimo se não envolve pessoas pretas desde o início da discussão do problema e da solução. Isso é fundamental, além de criar algo que realmente dê protagonismo à causa, às pessoas pretas e não a você.
Se você realmente sentiu ódio, raiva, nojo ou ao menos se incomodou com esse absurdo que aconteceu à Sara Araujo, estude. Como a Tia Má coloca no seu texto do UOL, “escolher uma pessoa pra ser seu “WIKIPRETO” não é suficiente pra entender sobre negritude, nem atestado de militante antirracista”. Pra avançar nessa luta é preciso de atitudes diárias e práticas, mudança de mentalidade, de empatia, e de se colocar no lugar do outro com verdade e propósito, e não porque um post preto pipocou na sua tela do Instagram numa tarde de sol.
Tenho amigos que me perguntam, mas acima de tudo, que estão estudando e pesquisando sobre negritude, história do povo negro e que estão cada vez mais atuantes contra o racismo. E não é fácil, mas não sou eu quem vai resolver isso. Se você quer fazer realmente a diferença, seja uma dessas pessoas e comece mudando a si para depois fazer o mesmo com sua família, com seus amigos do trabalho, numa roda no bar e assim por diante, TODOS OS DIAS.
O grupo de “Illuminatis” pode ter acabado, mas as pessoas estão por aí e outras iguais virão, infelizmente. Cabe a todos nós trabalhar para que elas e suas ideias sejam combatidas diariamente. Sara não é a primeira nem será a última vítima desse tipo de ataque. Ela representa as profissionais negras que trabalham no meio cervejeiro, milhares de mulheres e a força de um povo que merece admiração e respeito acima de tudo. E mesmo que você não seja negro, é humano. Então não faça parte do problema, nem se omita. Seja parte da solução!